Empresas reclamam, mas pesquisa comprova: Bolsa Família não é vilão do mercado de trabalho

Nos últimos meses, casos como o de um restaurante em São Paulo que culpou o "pessoal do Bolsa Família" pela falta de funcionários viralizaram nas redes sociais. Esses episódios reacenderam um debate antigo: será que o programa social desestimula o trabalho e dificulta a contratação? Para responder a essa questão, analisamos pesquisas acadêmicas, dados oficiais e depoimentos de beneficiários, buscando uma visão equilibrada e baseada em evidências.
O contexto atual: Mercado de trabalho aquecido e expansão do Bolsa Família
1.
O Brasil vive um momento de baixo desemprego (6,5% em março de 2024, segundo o IBGE), mas algumas empresas relatam dificuldades para contratar, especialmente em setores como serviços.
2.
O Bolsa Família foi ampliado: Saltou de 13,8 milhões para 20,5 milhões de famílias beneficiadas entre 2019 e 2024, com o valor mínimo aumentado de R$ 400 para R$ 600
.
3.
A "regra de proteção" (criada em 2023) permite que famílias que elevem sua renda para até R$ 759
por pessoa continuem recebendo metade do benefício por dois anos, incentivando a formalização.
O que dizem as pesquisas? Efeitos contraditórios ou complementares?
a) Bolsa Família e emprego formal
- Um estudo de Gabriel Mariante (London School of Economics) mostrou que, em 2014, mães beneficiárias tinham 7,4% mais chances de entrar no mercado formal. O benefício ajudava a cobrir custos como creche, liberando-as para trabalhar.
- Exemplo real: Rosilene Martins (MS), ex-beneficiária, usou o auxílio para se estabilizar e hoje tem carteira assinada como doméstica.
b) Queda na taxa de participação no mercado de trabalho
- Pesquisas do Banco Central e FGV apontam que, entre 2019 e 2023, a taxa de participação (pessoas trabalhando ou buscando emprego) caiu 1,5 ponto percentual, principalmente entre mulheres e jovens de baixa renda.
Motivos:
- Jovens estão estudando mais (aumento de matrículas).
- Mulheres dedicam-se mais aos cuidados familiares.
- Trabalhadores informais passaram a recusar condições precárias, graças à rede de segurança do benefício.
c) Não é preguiça, mas maior seletividade
- Dados do Ipea mostram que a ocupação entre beneficiários aumentou (de 46,3% para 46,8%), mas muitos saíram da categoria "desempregados" para "fora da força de trabalho", recusando vagas mal remuneradas.
- Jefferson Brito (ex-beneficiário, hoje empregado no Carrefour) exemplifica: o programa deu-lhe condições de esperar por uma oportunidade melhor.
Críticas e ajustes necessários
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A "regra de proteção" ainda tem falhas, como a demora para restabelecer o benefício integral em caso de demissão. O governo promete ajustes via decreto ainda em 2024.
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Estigma: beneficiários como Rosilene relatam ser vistos como "preguiçosos", embora o programa muitas vezes funcione como ponte para o emprego.
Um debate complexo, sem respostas simples
O Bolsa Família não é o vilão da falta de mão de obra, mas um dos fatores que reconfiguram o mercado:
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Pontos positivos: Reduz pobreza, incentiva educação e formalização, e movimenta a economia (cada
R$ 1
investido geraR$ 2,40
no consumo). -
Desafios: empresas precisam se adaptar a um trabalhador menos desesperado por qualquer emprego, melhorando salários e condições.