Godzilla: 70 anos de metáforas e omissões - A Bomba de Hiroshima e suas repercussões
Godzilla, o lendário kaiju (monstro gigante), fez sua estreia no cinema em 1954 e, ao longo das décadas, se tornou uma das figuras mais icônicas da cultura pop. No entanto, ao chegar aos 70 anos, o personagem ainda não cumpriu completamente sua vocação inicial de metáfora para a destruição nuclear, especialmente no que se refere à tragédia de Hiroshima e Nagasaki.
O contexto histórico e a origem de Godzilla
Em 29 de agosto de 1954, o Japão, que havia sido devastado pelas bombas atômicas lançadas pelos EUA em 1945, assistia à estreia de Godzilla (ou Gojira, no Japão), um monstro gigante que surge como uma representação da radiação e destruição causadas pela guerra nuclear. A narrativa de Godzilla está diretamente ligada à memória do povo japonês, que sofreu imensamente com os ataques nucleares em Hiroshima e Nagasaki, além dos testes nucleares no Pacífico, como o ocorrido com o navio Lucky Dragon 5 em 1954. Nesse cenário, o monstro é exposto à radiação e carrega em sua pele as cicatrizes das vítimas dessas tragédias.
Importância histórica:
- Impacto das bombas atômicas: Hiroshima e Nagasaki não foram apenas marcos na história da Segunda Guerra Mundial, mas também eventos que marcaram profundamente o Japão, resultando em uma narrativa simbólica de medo e sobrevivência.
- A metáfora nuclear: Godzilla surge como uma metáfora direta para os efeitos devastadores das armas nucleares, uma figura que personifica a destruição e a radiação.
Censura e mudança de tom
Nos cinemas americanos, 20 minutos significativos do filme original foram cortados, o que transformou Godzilla de um monstro vingativo e ligado à catástrofe nuclear em um simples monstrinho travesso. Essa mudança de tom reflete a tentativa de distanciar a figura de Godzilla do contexto nuclear e do sofrimento japonês.
Relevância cultural:
- Godzilla nos EUA: A adaptação para o público americano minimizou os aspectos sombrios e críticos à guerra nuclear, focando mais na figura do monstro como uma ameaça generalizada.
A evolução de Godzilla e seus contextos geopolíticos
Ao longo das décadas, Godzilla se metamorfoseou para refletir as diferentes ansiedades sociais e políticas de cada época, sempre se alinhando com o clima global. Nos anos 1960, o monstro é visto como uma ameaça vinda de uma geleira; nos anos 1970, ele se torna um defensor do meio ambiente ao enfrentar o monstro Hedorah, símbolo da poluição industrial; e, nos anos 1980, ele se torna um reflexo da Guerra Fria, com um ataque a um submarino soviético.
Evolução de Godzilla:
- Anos 1970: Figura ambientalista, lutando contra Hedorah, o monstro da poluição.
- Anos 1980: Reflexo da Guerra Fria, quando Godzilla ameaça um confronto nuclear.
Godzilla em "Minus One" e a Metáfora Nuclear
No filme mais recente, Godzilla Minus One (2024), Godzilla retorna ao cenário pós-Segunda Guerra Mundial, com o Japão ainda devastado e tentando lidar com os traumas da guerra e da radiação. O filme aborda um Japão destruído e desesperado, ainda atormentado pela memória das bombas atômicas e pela ameaça de um monstro nuclear.
O filme Godzilla Minus One:
- Cenário pós-guerra: A trama leva Godzilla de volta à dor e destruição do Japão após a Segunda Guerra Mundial, mostrando um país ainda tentando se recuperar de suas cicatrizes nucleares.
- O monstro furioso: Godzilla representa o desespero do povo japonês, uma nação ainda sofrendo com as reverberações da bomba atômica.
Embora Godzilla tenha sido um reflexo da ansiedade nuclear desde sua criação, ele nunca cumpriu totalmente sua função como metáfora para a bomba de Hiroshima e os horrores da radiação. Em sua jornada cinematográfica, o monstro evoluiu para se tornar um símbolo de diversas preocupações culturais e políticas, mas sem ainda conseguir abordar profundamente o impacto das bombas atômicas que devastaram o Japão em 1945.
Apesar disso, Godzilla Minus One oferece uma chance de revisitar essas questões, levando o monstro de volta às suas raízes originais, onde ele pode, finalmente, expressar de forma plena as dores do Japão e as cicatrizes da radiação.