Análise: O papel do racismo e da misoginia na eleição de Donald Trump em 2024
A eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos em 2024 trouxe à tona questões profundas de racismo, misoginia e divisão social no país. Em um texto detalhado, a professora Meredith Ralston, especialista em estudos de gênero e política, analisa como esses fatores impactaram a candidatura de Kamala Harris, a primeira mulher negra a concorrer ao cargo. Exploramos a seguir os principais pontos do artigo, detalhando as dinâmicas políticas e sociais que influenciaram o resultado eleitoral e refletiram divisões profundas na sociedade americana.
Misoginia e gênero: Um obstáculo persistente
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A campanha de Kamala Harris enfrentou desafios intrínsecos ao gênero e à cor de sua pele. Sua tentativa de "romper o teto de vidro" no Salão Oval expôs a persistente resistência de parte do eleitorado em aceitar uma mulher negra na presidência. Segundo Ralston, o gênero foi um fator essencial na campanha de 2024, em especial para as mulheres, devido à derrubada do caso Roe v. Wade em 2022, que pôs fim ao direito federal ao aborto. Desde então, houve vários relatos de mortes de mulheres em razão da falta de acesso a cuidados médicos relacionados ao aborto. Esse contexto gerou indignação e mobilizou muitas mulheres, que viam em Harris uma defensora de seus direitos reprodutivos.
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Ralston destaca que Harris tinha esperança de conquistar as mulheres brancas em especial, contando com uma "onda" de apoio em defesa dos direitos das mulheres. No entanto, esse apoio foi insuficiente, e Harris não alcançou a margem esperada. Ainda que a maioria das mulheres tenha apoiado Harris, muitos homens – principalmente jovens – tenderam a votar em Trump, evidenciando uma divisão de gênero significativa.
A divisão de gênero nos eleitores e o apelo de Trump aos homens
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A eleição mostrou um notável distanciamento entre os interesses e preocupações de mulheres e homens, refletindo em quem apoiavam para presidente. Enquanto pesquisas indicavam que as mulheres, especialmente as mais jovens, mostraram maior inclinação por ideias mais liberais e favoráveis à igualdade, muitos homens jovens demonstraram uma postura contrária. De acordo com uma pesquisa da NBC, 58% das mulheres apoiavam o Partido Democrata, enquanto 52% dos homens preferiam os Republicanos.
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Esse descompasso parece ter sido amplificado pela própria estratégia de mídia dos candidatos. Trump, por exemplo, participou do podcast de Joe Rogan, conhecido por seu público majoritariamente masculino e conservador, enquanto Harris se direcionou ao público jovem feminino ao participar do podcast Call Her Daddy. Essas escolhas revelaram que Trump contava com uma base sólida de homens jovens, que veem com simpatia a “masculinidade hegemônica” promovida por ele. Segundo Ralston, esse termo descreve a valorização de características tradicionalmente masculinas, como assertividade e dominância, e o desprezo por traços considerados “femininos” ou por mulheres no poder. Esse discurso fortaleceu o apelo de Trump entre aqueles que sentem ameaçadas as “vantagens” masculinas de outrora.
Raça e classe: O papel das mulheres brancas e o apoio de eleitores negros e latinos
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A raça também teve um papel central nas eleições. Mulheres brancas sem formação universitária foram um dos principais grupos que apoiaram Trump, enquanto Harris teve mais sucesso com mulheres brancas de nível superior. As mulheres brancas, antes da eleição, mostravam-se inclinadas a apoiar o Partido Republicano, mas havia uma expectativa de que o apoio a Trump estivesse em declínio. No entanto, Ralston argumenta que isso foi uma ilusão; o apoio das mulheres brancas a Trump, ao que parece, continuou firme, mesmo com o impacto direto que a revogação do direito ao aborto teve sobre elas.
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Outro fator importante foi o apoio dos homens negros e latinos. Trump, em 2024, conseguiu aumentar sua porcentagem de votos entre os latinos, enquanto o apoio de Harris entre os eleitores negros foi menor do que o apoio que Barack Obama ou Joe Biden receberam. Apoiadores negros de Harris representaram 73% dos votos, uma redução em comparação aos 93% de apoio que Obama recebeu em 2008 e os 90% para Biden em 2020. Essa queda sugere, segundo Ralston, que o sexismo pode ter tido um papel, com alguns homens negros resistindo a apoiar uma mulher negra para o cargo mais alto do país.
Contexto político e social: Ansiedade e "Transtorno de Estresse Eleitoral"
- O termo "transtorno de estresse eleitoral" tem sido utilizado por psicólogos para descrever o aumento de ansiedade gerado por eleições polarizadas e pela incerteza sobre o futuro do país. Com a vitória de Trump, muitos americanos temem mudanças radicais em questões de direitos e políticas, visto que ele pode ter mais apoio de setores financeiros e menos barreiras institucionais, o que poderia facilitar medidas autoritárias. Esse clima de ansiedade reflete o receio de parte da população de que Trump busque moldar o país de acordo com seus interesses pessoais e ideologias, reforçando as divisões e polarizações.
A eleição presidencial de 2024 trouxe à tona questões profundas e divisões significativas nos Estados Unidos. A campanha de Kamala Harris revelou a resistência ainda existente ao progresso em termos de igualdade racial e de gênero. A análise de Ralston destaca como misoginia e racismo moldaram o resultado das eleições, com Trump obtendo apoio majoritário em setores específicos que resistem a mudanças sociais e à representatividade de minorias. Este cenário levanta preocupações sobre o futuro do país e do mundo, especialmente considerando o poder de influência que Trump poderá ter em um novo mandato, prometendo desafios adicionais para a coesão social e os avanços em direitos civis e igualdade de gênero.