O papel dos "Bueiros" na proliferação do Aedes aegypti e na saúde pública
Em um estudo recente, realizado em Presidente Prudente (SP) e conduzido por Elaine Aparecida Maldonado Bertacco, supervisora do Departamento de Vigilância Epidemiológica (VEM), foi descoberta uma nova e preocupante relação entre os bueiros urbanos e a proliferação do mosquito Aedes aegypti, principal vetor da dengue. A pesquisa, publicada na revista científica Frontiers of Public Health, trouxe à tona dados surpreendentes que exigem uma reavaliação das estratégias de combate à dengue, uma doença que vem afetando duramente a cidade e muitas outras regiões do Brasil.
Contexto do estudo
- A cidade de Presidente Prudente, com aproximadamente 230 mil habitantes, tem enfrentado surtos recorrentes de dengue, sendo que o maior pico ocorreu em 2016, com 12.962 casos e 29 óbitos. Após uma redução parcial nos anos seguintes, a doença voltou a crescer em 2019 e, em 2023, os números atingiram novos recordes, com 36.168 casos e 24 mortes. Até outubro de 2024, foram registrados 930 casos e um óbito. A crescente resistência do mosquito aos inseticidas e as condições urbanas, como o acúmulo de lixo e a má conservação dos bueiros, são fatores que contribuem para a persistência do problema.
Principais descobertas da pesquisa
Bueiros como Focos de Proliferação do Aedes aegypti
- O estudo mapeou cerca de 5.492 bueiros na cidade e revelou que 91% deles estavam sujos ou danificados, condições que facilitam o acúmulo de água parada e, consequentemente, criam um ambiente favorável para o desenvolvimento das larvas do Aedes aegypti.
Surpreendentemente, 18% desses bueiros continham água em seu interior, fato que não deveria ocorrer, pois a principal função dos bueiros é drenar a água de maneira eficiente.
Em 9% das amostras coletadas, foram encontradas larvas do Aedes aegypti, indicando que esses locais desempenham um papel crucial na proliferação do mosquito transmissor da dengue.
Diversidade de espécies encontradas
- Além das larvas do Aedes aegypti, os pesquisadores identificaram a presença de 240 espécies de organismos, incluindo outros tipos de mosquitos (como o Culex e o Aedes albopictus), diversas espécies de aranhas e até escorpiões. Essa biodiversidade inesperada reforça a importância dos bueiros não apenas como reservatórios de água, mas como ecossistemas que podem representar um risco para a saúde pública.
Georreferenciamento e análise estatística
- A pesquisa utilizou técnicas avançadas de georreferenciamento e análise estatística para correlacionar a presença de larvas nos bueiros com os casos de dengue registrados. Essa abordagem inovadora foi crucial para entender a magnitude da relação entre esses ambientes urbanos e os surtos da doença. Pela primeira vez, um estudo conseguiu estabelecer essa conexão direta, contribuindo para o entendimento global sobre a proliferação da dengue em áreas urbanas.
Medidas recomendadas e soluções
Diante das descobertas, a pesquisa propõe uma série de ações e mudanças que podem auxiliar no combate à dengue e na melhoria da saúde pública:
1. Limpeza e manutenção dos bueiros
- Uma das recomendações é a limpeza regular dos bueiros, que são geralmente negligenciados no controle da dengue. Em algumas cidades, é utilizado um caminhão especializado que realiza a higienização desses pontos, reduzindo o tempo necessário para a limpeza de um dia para apenas uma hora. Esse equipamento poderia aumentar a eficiência das intervenções em Presidente Prudente, mas a aquisição do caminhão, orçado em aproximadamente
R$ 2 milhões
, depende de parcerias e apoio financeiro de instituições governamentais e privadas.
2. Campanhas educativas e conscientização da população
- Outro aspecto fundamental para o controle da dengue é a educação e conscientização da população. Muitos moradores fecham os bueiros devido ao mau cheiro, o que agrava o problema, pois impede a drenagem da água e favorece a proliferação de mosquitos. Além disso, a população muitas vezes não adota medidas básicas de prevenção, como a eliminação de focos de água parada em suas residências. Campanhas educativas mais eficazes e contínuas poderiam ajudar a sensibilizar a comunidade para a importância dessas práticas.
3. Abordagem integrada e parcerias
- O estudo destaca que, para enfrentar a dengue de forma eficaz, é necessário adotar uma abordagem integrada que envolva tanto o poder público quanto a sociedade civil. A colaboração com instituições acadêmicas e o uso de recursos avançados, como o georreferenciamento, podem auxiliar na elaboração de políticas públicas de combate aos vetores de doenças, levando em conta o papel dos bueiros como potenciais criadouros.
O estudo conduzido em Presidente Prudente é pioneiro ao estabelecer a relação entre a proliferação do Aedes aegypti e as condições dos bueiros urbanos. Ao revelar que esses locais funcionam como verdadeiros "berçários" para o mosquito transmissor da dengue, a pesquisa aponta para a necessidade de uma nova abordagem no combate à doença. Medidas como a manutenção regular dos bueiros, campanhas educativas e investimentos em equipamentos de limpeza especializados podem ser fundamentais para reduzir os casos de dengue em cidades brasileiras e até em outras regiões urbanas do mundo.
Essas descobertas não só ampliam o conhecimento científico sobre os fatores de proliferação do Aedes aegypti, mas também oferecem um caminho promissor para a implementação de políticas públicas mais eficazes.