O mercado imobiliário nas favelas do Rio: Controle, violência e desafios de regularização
O estudo conduzido por Ivan Zanatta Kawahara e equipe revela uma complexa intersecção entre o mercado imobiliário das favelas cariocas e a influência de grupos armados, como milícias e tráfico de drogas. Essa análise se baseia em sete anos de investigação, incluindo entrevistas, levantamento bibliográfico e monitoramento de denúncias. O estudo destaca como esses grupos exercem controle territorial, regulação forçada e extorsão no setor imobiliário, configurando uma realidade econômica e social desafiadora.
Contexto histórico e estrutural
- Transformação das favelas: Tradicionalmente vistas como locais de urbanização precária, as favelas hoje apresentam uma realidade habitacional diversificada, com produção de imóveis por trabalhadores regulares e interferência crescente de grupos armados.
- Produção imobiliária invisibilizada: Até tragédias como o desabamento de prédios na Muzema em 2019, a participação de milícias no mercado imobiliário era amplamente negligenciada. Essa tragédia revelou a escala do envolvimento criminoso e trouxe à tona a complexidade desse setor.
A estrutura empresarial do crime organizado
Os grupos armados estruturam suas operações imobiliárias de forma organizada, com funções bem definidas:
- Sócios empreendedores: Gerenciam o planejamento, construção e venda de imóveis.
- Sócios investidores: Financiam projetos visando lucro futuro.
- Corretores: Identificam terrenos e clientes para as operações.
- Laranjas: Assumem propriedades e responsabilidades legais para ocultar os verdadeiros controladores.
Esses agentes colaboram para maximizar os lucros e evitar a exposição das atividades ilícitas, utilizando redes de informação, suborno e ocultação de evidências.
Controle territorial e extorsão
- Cobrança de taxas: Grupos armados impõem taxas sobre construções além de determinados pavimentos, restringindo a atividade de concorrentes e lucrando com a proteção contra embargos públicos.
- Confisco de terrenos: Na milícia, regras arbitrárias permitem a apropriação de terrenos de edificações desabadas ou devedores, ampliando o controle territorial.
- Venda de “Proteção”: As milícias lucram ao prometer impedir ações do poder público, consolidando sua influência sobre moradores e empreendedores.
O papel e os desafios do poder público
- A alta demanda por habitações populares dificulta a fiscalização e regularização do mercado imobiliário nas favelas. Estratégias dos grupos armados aproveitam o déficit habitacional e as limitações das autoridades, criando um ciclo de impunidade. Em casos como o da Muzema, o poder público enfrenta um dilema ético e prático ao tentar proteger moradores sem fortalecer indiretamente as milícias.
Impactos e considerações
- Repercussões sociais: A atuação dos grupos armados prejudica tanto a segurança quanto a qualidade de vida nas favelas, ao mesmo tempo em que dificulta o acesso à moradia regular e segura.
- Soluções necessárias: É fundamental investir em políticas públicas que promovam habitações populares acessíveis e combater a influência de grupos armados com maior eficácia. A regularização fundiária e a repressão à corrupção devem ser prioridades.
O estudo evidencia que o mercado imobiliário nas favelas do Rio é intrincado, misturando atividades legais e ilegais. Embora os grupos armados desempenhem um papel significativo, eles operam em um sistema pré-existente, explorando vulnerabilidades sociais e institucionais. Para enfrentar esse problema, é crucial que o poder público adote uma abordagem integrada, equilibrando ações de combate ao crime organizado com o atendimento às necessidades habitacionais da população vulnerável.