Paternidade ativa: Quebrando estigmas e desafiando preconceitos na criação dos filhos
A representação dos pais como cuidadores ainda é cercada de preconceitos e estigmas na sociedade atual. Embora as expectativas sobre o papel masculino na criação dos filhos estejam mudando, as questões que envolvem a presença ativa do pai nos cuidados diários, especialmente sem a figura feminina ao lado, continuam a gerar reações e questionamentos. Este fenômeno revela não apenas a evolução dos modelos familiares, mas também os desafios de romper com as convenções históricas e culturais relacionadas ao gênero.
A percepção social sobre o pai cuidador
- Quando um homem assume a responsabilidade de cuidar dos filhos, sem a presença de uma mulher, surgem perguntas e suposições sobre sua vida pessoal, como o motivo de sua parceira não estar por perto. Isso é exemplificado pelo influenciador que compartilhou a rotina com sua filha nas redes sociais e foi questionado sobre a morte de sua esposa. A ideia de que o pai é um "substituto" da mãe, ou que a ausência feminina explica o comportamento do pai, reflete um estigma profundamente enraizado. A psicanalista Vera Iaconelli explica que essa reação está ligada à expectativa de que o cuidado é uma função inerentemente feminina.
O impacto do cuidado no cotidiano dos pais
- Pessoas como Tiago Koch, que compartilham suas experiências diárias de paternidade, enfrentam tanto elogios quanto críticas. Koch, que cuida de suas duas filhas, observa que muitas vezes é visto com surpresa por estar sozinho com as crianças. Essa dualidade de reações – desde a admiração até a desconfiança sobre sua capacidade de realizar tarefas associadas ao cuidado – mostra como a sociedade ainda resiste à ideia de que os homens podem ser tão competentes quanto as mulheres em atividades como cuidar dos filhos, especialmente de meninas. Isso é refletido nas interações cotidianas, como a situação descrita por Tiago, em que uma funcionária de uma padaria questiona suas escolhas de cuidado, como não dar chocolate à filha pela manhã.
A desvalorização da paternidade ativa
- Outro aspecto fundamental é a percepção de que o cuidado é uma tarefa "menos importante" ou "menos qualificada" do que outras responsabilidades sociais, como o trabalho remunerado. O fato de muitos homens, como Tiago Koch, serem questionados por passarem mais tempo em casa do que suas parceiras evidencia uma depreciação da paternidade ativa. Ao mesmo tempo, a sociedade, em geral, continua a tratar a mulher como a principal responsável pelos cuidados. Mesmo quando um pai desempenha essa função, ele frequentemente é visto como se estivesse fazendo "algo extraordinário", algo que deve ser reservado para as mulheres.
Desafios e preconceitos com pais LGBTQIA+
- Os pais gays enfrentam outra camada de preconceito, como revelado pelo casal Carlos Ruiz e Lucas Monteiro, que adotou três crianças. Quando compartilham a rotina de cuidados nas redes sociais, frequentemente recebem perguntas sobre a ausência de uma mulher. No caso deles, as questões abordam não só a falta de uma mãe, mas também os aspectos raciais, pois os pais são brancos e as crianças negras. Essa distinção entre pais heterossexuais e homossexuais reforça um preconceito sutil, onde as paternidades não conformes ao modelo tradicional nuclear são deslegitimadas.
A licença paternidade e a discrepância de direitos
- Um fator crucial que limita a participação ativa dos pais nos cuidados é a licença-paternidade no Brasil. Com apenas cinco dias de licença, o modelo atual subestima a importância do papel do pai e supera a capacidade das mulheres de "dar conta de tudo". A Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem alertado para a urgência da revisão dessa licença, que é extremamente curta quando comparada à licença-maternidade. O Brasil, ao adotar uma política de licença-paternidade limitada, reforça a ideia de que a paternidade ativa é uma exceção, e não uma regra.
O desafio de romper com as expectativas de gênero
- A psicanalista Vera Iaconelli ressalta que há uma “falsa suposição” de que apenas as mulheres são capazes de cuidar de filhos, sejam eles meninos ou meninas. Isso se reflete em diversas situações do cotidiano, como o julgamento de pais que cuidam de suas filhas, especialmente no caso de pais solteiros ou de casais LGBTQIA+. Esse preconceito é resultado de uma cultura profundamente patriarcal, onde os homens são socialmente condicionados a não se envolver plenamente na educação e no cuidado dos filhos.
O cenário está mudando, mas de forma lenta e gradual. Embora haja uma crescente conscientização sobre a importância da participação dos pais na criação dos filhos, especialmente em aspectos relacionados ao cuidado e afeto, ainda há muito a ser feito. A transformação das expectativas sobre a paternidade envolve, tanto os homens quanto as mulheres, na construção de um modelo familiar mais igualitário. A quebra de estigmas sobre a função de cuidador, a ampliação da licença-paternidade e o questionamento das normas de gênero são passos essenciais para garantir que a figura do pai cuidador deixe de ser vista como um ato heroico e passe a ser reconhecida como uma responsabilidade comum a todos os pais, independentemente de seu gênero ou orientação sexual.