Santa Inquisição no Brasil: Sexo, feitiçaria e resistência – Histórias proibidas da perseguição aos 'pecadores'

Entre os séculos 16 e 18, o Tribunal do Santo Ofício, conhecido como Inquisição, estendeu seu alcance ao Brasil Colônia, perseguindo aqueles cujos comportamentos desafiavam os dogmas católicos. Padres visitadores desembarcaram em quatro ocasiões, investigando práticas como judaísmo, ritos indígenas, homossexualidade e feitiçaria. Um novo livro em quadrinhos, As Confissões da Bahia em Quadrinhos, retrata essas histórias com base em registros inquisitoriais, revelando um período marcado por repressão, sincretismo religioso e resistência.
A Inquisição no Brasil: Como funcionava
As visitas inquisitoriais:
- Os padres visitadores, como Heitor Furtado de Mendonça (1591-1595), instalavam-se em sedes episcopais e convocavam a população a denunciar "pecados" através de editais lidos nas paróquias.
- O "período de graça" permitia que pessoas se autodenunciassem em 30 dias, recebendo penas mais brandas.
Dados históricos indicam que mais de 1.076 residentes foram investigados, com 29 condenados à fogueira em Portugal.
Os principais "delitos":
1.
Judaísmo: Cristãos-novos (judeus convertidos à força) eram o principal alvo.
2.
Homossexualidade: Chamada de "sodomia", incluía relações entre pessoas do mesmo sexo ou sexo anal heterossexual.
3.
Feitiçaria e paganismo: Práticas indígenas e africanas, como a "bolsa de mandinga" (amuleto de proteção), eram consideradas demoníacas.
4.
Bigamia e blasfêmia: Casamentos múltiplos e críticas à Igreja também eram punidos.
Histórias emblemáticas
O movimento santidade de Jaguaripe:
- Liderado pelo indígena Antônio Tamandaré, o movimento misturava ritos católicos e tradições Tupinambás, contestando o trabalho compulsório imposto pelos portugueses. Foi brutalmente reprimido.
Felipa de Sousa:
- Primeira mulher condenada por lesbianismo no Brasil, foi açoitada e exilada em 1591. Sua defesa—de que não via mal em relações consensuais—mostra a ausência de uma noção de "pecado" em sua cultura.
Padre Frutuoso Álvares:
- Vigário na Bahia, confessou relações homossexuais com cerca de 40 homens durante o "período de graça", temendo ser delatado.
Maria Arde-lhe-o-Rabo e Isabel Antônia:
- Maria, acusada de envenenar homens violentos a pedido de esposas oprimidas, era tida como bruxa. Já Isabel ficou conhecida por criar "falos de veludo", um dos primeiros registros de dildos no Brasil.
A Relação entre Igreja e Estado
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A monarquia portuguesa era indissociável da Igreja Católica, e todos os súditos—incluindo indígenas e africanos escravizados—eram obrigados a se batizar.
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Cultos africanos e indígenas eram invadidos e destruídos, mesmo sem constar nos processos oficiais. A "bolsa de mandinga", por exemplo, simbolizava resistência cultural e espiritual.
"A Inquisição nos ensina o perigo mortal de misturar crucifixo com espada. Cada fogueira acesa pelo Santo Ofício queimou não apenas corpos, mas a própria essência do amor pregado por Cristo. Hoje, quando vemos novos fundamentalismos, lembremos: Nenhum Deus verdadeiro precisa de torturadores para ser amado e respeitado."
Legado de repressão e resistência
A Inquisição no Brasil revela um período de controle social baseado na moral católica, mas também de adaptação e subversão. Histórias como as de Felipa de Sousa e do movimento Santidade de Jaguaripe mostram como indivíduos desafiaram normas impostas, deixando um legado de resistência cultural. O livro em quadrinhos, ao resgatar esses relatos, não apenas ilustra o passado, mas convida à reflexão sobre como estruturas de poder moldam e são desafiadas por práticas cotidianas.