Por que o cessar-fogo em Gaza fracassou? A política interna de Israel, o jogo de poder de Netanyahu e o papel dos EUA

O cessar-fogo em Gaza, que parecia trazer uma esperança momentânea de paz, chegou ao fim em março de 2025. A retomada dos combates resultou na morte de mais de 400 palestinos, e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, culpou o Hamas pelo reinício da violência. No entanto, a verdadeira causa do colapso do cessar-fogo está profundamente enraizada na política interna de Israel, especialmente nas dinâmicas da coalizão governista de Netanyahu e em suas estratégias para manter o poder. Este resumo explora os fatores políticos, históricos e sociais que levaram ao fracasso do cessar-fogo, destacando a complexidade do conflito e suas implicações para o futuro de Israel e da Palestina.
A política interna israelense e o bloqueio ao cessar-fogo
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A primeira fase do cessar-fogo, iniciada em janeiro de 2025, previa a retirada das forças israelenses de Gaza em troca da libertação de reféns. No entanto, a implementação da segunda fase do acordo esbarrou na resistência de setores da coalizão governista de Netanyahu, composta por partidos de extrema direita. Esses grupos defendem uma postura maximalista, que inclui o controle permanente de Gaza e a expulsão de palestinos do território. Essa visão é incompatível com os termos do cessar-fogo, o que levou ao seu colapso.
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A dependência de Netanyahu desses partidos para manter sua coalizão governista tornou-se um obstáculo intransponível. Sem o apoio da extrema direita, ele não teria maioria no parlamento, o que colocaria seu governo em risco. Assim, a política interna israelense, marcada por divisões ideológicas e jogos de poder, foi decisiva para o fracasso do acordo de paz.
O papel do Hamas e a manipulação do processo
- Embora o Hamas tenha sido responsável por atrasos e manipulações durante a primeira fase do cessar-fogo, sua influência no colapso do acordo foi secundária em comparação com os fatores internos de Israel. O grupo militante palestino tinha interesse em implementar o cessar-fogo, pois isso garantiria sua permanência no controle de Gaza e a libertação de prisioneiros palestinos. No entanto, a retomada da guerra foi impulsionada principalmente pelas dinâmicas políticas israelenses, que antecedem até mesmo o ataque do Hamas em outubro de 2023.
A transformação do judiciário e a centralização do poder
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Desde que assumiu o poder em janeiro de 2023, o governo de Netanyahu tem buscado enfraquecer o judiciário israelense e fortalecer o poder do Executivo e do Legislativo. Esses esforços, descritos por alguns como um "golpe legal", visam centralizar o controle nas mãos do governo e neutralizar instituições independentes, como a Procuradoria Geral e a polícia. A guerra em Gaza tem sido usada como justificativa para adiar reformas judiciais e processos legais contra Netanyahu, que enfrenta acusações de corrupção desde 2019.
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A prolongação do conflito também permitiu que Netanyahu removesse críticos de cargos-chave na liderança política e de segurança, consolidando seu poder e eliminando opositores. Essa estratégia tem exacerbado a crise interna em Israel, dividindo a sociedade e minando a estabilidade do país.
A pressão da coalizão e o orçamento governamental
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A retomada da guerra coincidiu com a crescente pressão sobre Netanyahu para aprovar o orçamento anual do governo até o final de março de 2025. Sem o apoio dos partidos ultraortodoxos, que se opõem ao recrutamento militar de seus membros, Netanyahu precisou buscar o respaldo da extrema direita. O retorno do partido Otzma Yehudit à coalizão garantiu os votos necessários para o orçamento, mas também enterrou qualquer chance de implementar a segunda fase do cessar-fogo, que previa a retirada de Gaza.
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Essa manobra política reforçou a coalizão governista, mas ao custo de prolongar o conflito e aprofundar as divisões internas em Israel.
O papel dos Estados Unidos e a mudança de postura
- Os Estados Unidos, como patrocinador de fato do cessar-fogo, poderiam ter exercido pressão para manter o acordo. No entanto, a transição da presidência de Joe Biden para Donald Trump em 2025 alterou a dinâmica do conflito. Declarações recentes de Trump sugerem apoio à pressão militar sobre o Hamas, alinhando-se tacitamente com a posição do governo israelense. Essa mudança de postura dos EUA contribuiu para o colapso do cessar-fogo, ao não exigir que Israel cumprisse os termos do acordo.
Protestos e a crise interna em Israel
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A maioria dos israelenses é favorável ao fim da guerra e à conclusão do cessar-fogo. Movimentos de protesto contra o governo de Netanyahu têm ganhado força, especialmente após a retomada dos combates em Gaza. Esses protestos refletem a insatisfação popular com a prolongação do conflito e as tentativas de Netanyahu de transformar o sistema político do país.
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A crise interna em Israel, agravada pela guerra, coloca o primeiro-ministro como uma figura polarizadora, cujas ações são vistas por muitos como uma ameaça à estabilidade do país.
Um conflito sem fim à vista
- O colapso do cessar-fogo em Gaza é resultado de uma complexa interação entre fatores políticos internos de Israel, a postura dos Estados Unidos e as ações do Hamas. A política interna israelense, marcada por divisões ideológicas e jogos de poder, foi o principal motor do fracasso do acordo. Netanyahu, ao priorizar sua sobrevivência política e a consolidação de seu poder, acabou por prolongar o conflito e aprofundar as crises internas de Israel.
Enquanto a guerra continua, a população israelense e palestina paga o preço mais alto. A retomada dos combates não apenas ceifou centenas de vidas, mas também exacerbou as divisões sociais e políticas em Israel. Nesse cenário, a estabilidade e a paz parecem cada vez mais distantes, com o primeiro-ministro israelense emergindo como uma figura central na perpetuação da instabilidade. O futuro do conflito depende não apenas de acordos diplomáticos, mas também de uma transformação profunda na política interna de Israel e no engajamento da comunidade internacional para buscar uma solução justa e duradoura.