Adolescência e os perigos da internet: Predadores online, sextorsão e radicalização – Como proteger as crianças e adolescentes?

A série "Adolescência", fenômeno global da Netflix, impactou ao mostrar a história de um garoto de 13 anos acusado de matar uma colega de escola. Apesar da comoção pública, a juíza Vanessa Cavalieri, da Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, afirma que a obra apenas evidencia uma realidade preocupante e crescente: adolescentes estão se envolvendo em crimes graves ou morrendo por ações ligadas ao ambiente virtual — tudo em nome de uma falsa ideia de privacidade e liberdade digital.
O perigo invisível no quarto ao lado
Muitos pais acreditam que, por seus filhos estarem dentro de casa e conectados à internet, estão seguros. No entanto, Cavalieri alerta que isso não é verdade. A internet se tornou um ambiente de risco, onde jovens, especialmente meninos, são expostos à radicalização, discursos de ódio e comportamentos autodestrutivos. Além disso, predadores sexuais e pedófilos se aproveitam da ingenuidade de crianças e adolescentes, muitas vezes coagindo-os a enviar imagens íntimas e depois usando esse material para chantagem (sextortion) — um crime que tem levado a casos de depressão e até suicídio entre vítimas menores de idade.
O novo perfil do adolescente infrator
Segundo a juíza, desde 2019 vem surgindo um novo tipo de adolescente envolvido em infrações: meninos de classe média e alta, alunos de escolas particulares, que cometem crimes digitais e planejam ataques em escolas. Cerca de 90% dos casos envolvem garotos, o que inclui desde participação em comunidades de ódio até envolvimento com ideologias extremistas como o neonazismo.
A crise da masculinidade e a vulnerabilidade emocional dos meninos
A série retrata os chamados “incels” — celibatários involuntários — que alimentam discursos de ódio contra mulheres. Cavalieri alerta para o crescimento do ressentimento masculino em relação a pautas de gênero e para a falta de orientação emocional. Muitos meninos são esmagados por discursos generalizantes como “todo homem é abusador”, o que os empurra para polos radicais. A ausência de afeto, pertencimento e educação emocional contribui para essa trajetória.
O papel dos pais e educadores
Cavalieri compartilha quatro lições fundamentais extraídas de sua experiência e reforçadas pela série:
1.
Estudar sobre a adolescência: Compreender o funcionamento do cérebro adolescente é essencial para orientá-los corretamente. Eles aparentam maturidade, mas ainda estão em formação emocional e cognitiva.
2.
Compartilhar experiências: Os pais devem buscar conexão real com seus filhos, mergulhando em seus interesses, músicas, jogos e plataformas, inclusive online, para criar vínculos afetivos.
3.
Monitoramento digital não é invasão: Supervisionar o uso da internet é uma questão de segurança. Aplicativos de controle parental, verificação de histórico e diálogo sobre os riscos de conversas com desconhecidos são fundamentais para evitar aliciamento e golpes sexuais.
4.
Estabelecer limites claros: O uso excessivo de telas está associado a depressão, obesidade e vícios. O ideal é limitar horários, evitar o uso de celulares à noite e proibir conteúdos impróprios, como jogos de aposta online.
Recomendações médicas e governamentais
O governo federal e a Sociedade Brasileira de Pediatria reforçam que crianças menores de 2 anos não devem ter contato com telas, e que, entre 3 e 5 anos, o tempo máximo deve ser de uma hora diária. Além disso, estudos mostram que redes sociais ativam no cérebro áreas ligadas ao prazer, semelhantes às da cocaína, o que reforça o alto poder viciante desses aplicativos.
Presença e responsabilidade são urgentes
A série “Adolescência” nos obriga a enxergar uma realidade muitas vezes negada: adolescentes estão vulneráveis a um mundo virtual sem limites, onde o ódio, o isolamento, o aliciamento por predadores e o desamparo emocional moldam comportamentos perigosos. Pais e educadores precisam se atualizar, se conectar e assumir um papel ativo na vida digital dos jovens. Não se trata de controlar, mas de proteger, orientar e amar de forma consciente e presente. A internet não é neutra — é um espaço onde vidas podem ser moldadas ou destruídas. E, para muitos adolescentes, esse caminho começa no quarto ao lado.