A verdade sobre o AI-5: Uma resposta à esquerda ou um mito?
O Ato Institucional Número 5 (AI-5), decretado em 13 de dezembro de 1968 pelo então presidente Costa e Silva, marcou um dos períodos mais autoritários da ditadura militar brasileira, iniciada em 1964. Conhecido como o "golpe dentro do golpe", o AI-5 deu aos militares poderes praticamente absolutos, incluindo o fechamento do Congresso Nacional, a suspensão de direitos políticos e a possibilidade de prender cidadãos sem justificativas legais.
Os militares justificaram essas medidas como uma resposta aos "atos subversivos" de grupos de esquerda, que supostamente ameaçavam o regime militar em um contexto de Guerra Fria e avanço do comunismo. Contudo, essa narrativa oficial é questionada por historiadores, que apontam que o AI-5 foi, na realidade, uma resposta a um cenário mais complexo de insatisfação dentro da própria base de apoio ao regime.
A real motivação: Controle de dissidências internas
Ao contrário da justificativa oficial, o AI-5 não foi essencialmente uma reação à esquerda, que era pequena e desarticulada no Brasil de 1968. Estudos e documentos históricos mostram que a principal motivação para o endurecimento do regime foi a necessidade de controlar setores da sociedade civil que haviam apoiado o golpe de 1964, mas que, em 1968, estavam descontentes com os rumos do governo militar. Entre esses setores estavam:
- Igreja católica: Insatisfeita com a violência e as repressões excessivas.
- Imprensa: Criticava a censura e o autoritarismo crescente.
- Poder judiciário: Proferia decisões desfavoráveis ao regime.
- Lideranças políticas: Muitos apoiadores civis do golpe começaram a se afastar, temendo um governo exclusivamente militar.
O historiador Rodrigo Patto Sá Motta destaca que o AI-5 foi uma forma de enquadrar dissidências dentro da própria elite governista, e não apenas de reprimir a esquerda.
Os fatos por trás da oposição
A insatisfação com o regime militar não se limitava a movimentos de esquerda. Vários setores da sociedade começaram a se opor ao governo devido a:
- Arrocho salarial: Trabalhadores sofreram com a perda de direitos e salários abaixo da inflação.
- Violência policial: Episódios como o assassinato do estudante Edson Luís em março de 1968 geraram revolta generalizada.
- Censura e repressão: A imprensa e intelectuais começaram a contestar o regime abertamente.
- Falta de reformas prometidas: A não realização de uma reforma universitária gerou grande descontentamento entre estudantes.
Esses fatores culminaram em manifestações marcantes, como a Passeata dos Cem Mil, em junho de 1968, e greves operárias em Osasco. Tais eventos mostravam a ampliação da insatisfação social com o regime.
A esquerda armada e sua relevância limitada
- Enquanto o regime alegava que grupos armados de esquerda eram uma grande ameaça, a realidade era outra. Os grupos eram pequenos, desorganizados e sem apoio popular significativo. Não havia unidade entre os movimentos estudantis, comunistas ou armados, dificultando qualquer ameaça real ao governo.
Impacto do AI-5
- A partir do AI-5, a ditadura militar intensificou a repressão, marcando os anos mais violentos do regime. O ato consolidou o poder militar, mas também isolou ainda mais o governo, gerando críticas de aliados internacionais, como os Estados Unidos, que consideraram a medida exagerada.
O AI-5 foi uma ferramenta de consolidação autoritária, criada não por uma ameaça da esquerda, mas pelo crescente isolamento dos militares e pela necessidade de controlar dissidências internas em setores outrora aliados. Ele reflete não apenas o autoritarismo da época, mas também a complexidade das relações de poder dentro do regime militar. O estudo desse período evidencia a importância de questionar narrativas simplistas e buscar uma compreensão mais profunda das dinâmicas políticas e sociais da história brasileira.